terça-feira, 15 de maio de 2018

Por que asdiferenças importam?

  Uma das coisas que costumo dizer, quando vejo ou leio reportagens sobre pessoas com necessidades especiais, físicas ou mentais, primeiramente é: "Que bom que existem pessoas que se dedicam a melhorar a vida de certas pessoas que iriam sofrer muito mais se tais esforços não existissem. Projetos para transcrição de livros para braille, calçadas feitas para pessoas com dificuldades de locomoção e/ou visão, professores que se dedicam à educação especial..." Aí chega nesta última parte eu fico me sentindo embarcando em um conflito. Todas as coisas acima são ótimas, e devem ser feitas, não só isso, mas muito, incrivelmente muito mais.

  Mas ao mesmo tempo eu fico pensando, e olho só, não fui eu que escrevi a Lei de Diretrizes e Bases, então não estou 'puxando o peixe para o nosso lado'. Nesta lei, dentro da categoria "Necessidades Especiais" adivinhem o que está incluso? "Altas Habilidades". Eis o conflito no qual embarco, fico extremamente feliz pelos outros esforços, mas me sinto excluída dentre os já excluídos.

  E o pior, mesmo escrevendo aqui no Blog o porquê de que não deveríamos nos envergonhar das AH/SD, de reconhecer para nós mesmos e de compartilhar isto com os outros, ainda dá aquele frio na barriga de, seja você ou o outro que iniciou a conversa que levou ao assunto das AH/SD, quando chega no ponto de se identificar: "Poisé, eu tenho Altas Habilidades", "Não, não é algo que acho ou sinto, eu fui identificada por um profissional qualificado". OK, agora pense que você é autista,com 'síndrome de Asperger', em um nível menor da escala, ou seja, você se comunica, mas ainda demonstra os sintomas. Asperger em um grau baixo não é identificável de cara. Então um mesmo tipo de conversa acima, mas sobre autismo, e chega a hora de você virar e falar: "Poisé, eu tenho Síndrome de Asperger, um tipo de Autismo", "Não, não é algo que acho ou sinto, eu fui identificada por um profissional qualificado". 


  E é aqui que as diferenças importam. Na primeira conversa, você vai sentir um pouco de vergonha por parecer egocêntrico, narcisista, vai se sentir como se estivesse se vangloriando, ou a outra pessoa irá sentir isso vindo de você, como se AH/SD fosse uma vantagem (em certo ponto obviamente é, mas NUNCA é só isso, ou na maioria das vezes os problemas são tão grandes que a vantagem do pensamento rápido, do raciocínio múltiplo, das outras habilidades, ficam em segundo plano devido ao funcionamento diferente do cérebro, que na verdade é o que importa. Se você é SD e tem uma paixão por artes ligada às suas sensibilidades praticamente inexplicáveis para os outros, qual a sua vantagem de ter um raciocínio matemático que te levaria ao MIT? Muitas, se não a maioria das vezes, as paixões e motivações não são compatíveis com um dos seus talentos mais proeminentes. Ou na grande maioria das vezes, também, seus talentos são compatíveis com suas paixões, mas nosso tempo de vida é finito. Daí o conflito: como eu vou ser neurologista, advogada, música, cineasta, cozinheira, diplomata, lutar por políticas públicas para os AH/SD, e tem mais, mas eu só tenho uma vida. E desperdicei grande parte dela com um medo paralisante de fazer a escolha errada e acontecer exatamente o que aconteceu. O medo de escolher o 'errado' e desperdiçar os anos era tão grande, que fui incapaz de escolher o 'certo', nem mesmo a capacidade de tentar eu tive, porque eu tenho um orgulho e um perfeccionismo com as coisas que gosto, que seria impossível largar no meio do caminho. Me retratando: eu fiz uma escolha aos 20 anos, até hoje não sei se será a profissão certa, mas tenho certeza que foi a faculdade errada.... Faltam exatamente sete matérias e a monografia, mas há onze anos que elas estão paradas, e eu não consigo terminar, porque perdi totalmente o interesse (e quem é SD sabe que sem interesse, nada flui), mas não consigo abandonar e começar outra coisa pelo dito orgulho e perfeccionismo de largar algo que comecei sem terminar. Isto me causa vergonha, uma falta de visão do futuro, um sentimento de derrota, uma necessidade de ajuda que, querendo ou não, é a realidade, só uma pessoa especializada na área de AH/SD, seja como pedagogo, psicólogo, psiquiatra, terapeuta, professor, e faço uma aposta que quem escolheu se especializar nessa área de AH, ou tem um filho(a), pai (mãe), ou ele(a) mesmo(a) é 'da nossa laia', que pode nos ajudar, nos compreender.


  Agora para a outra parte da conversa, a do portador de Asperger, ele não teria vergonha de falar, primeiramente porque eles não vêem objeção na verdade, assim como nós, que tem Asperger vêem, ouvem e sentem o mundo de forma diferente de outras pessoas, seus sintomas (brevemente) são falta de sociabilidade, relacionamento, comunicação, e são imitadas no seu cotidiano, mas são mais difíceis de distinguir de uma pessoa 'normal' que outros autistas.

  A diferença da conversa anterior para esta é, o SD vai se sentir auto-consciente, embaraço, perceberá uma dificuldade de aceitação do outro, pois infelizmente, devido ao estereótipo do SD, o outro se sentirá inferiorizado em relação ao SD e possivelmente expressará uma hostilidade inconsciente, já que "esta não é uma pessoa que precisa de ajuda e nem compreensão, pois já nasceu com uma 'superioridade' que não posso alcançar, portanto não a consigo entender, e só de saber que é alguém que sempre 'será mais' do que eu devido à vantagem intelectual, me sinto em uma situação desigual, mesmo que acabe de conhecer a pessoa, o que me foi ensinado sobre pessoas com AH já me levou a estigmatizá-la e a sentir um mal-estar em uma conversa com tal indivíduo pelo medo deste me julgar como alguém 'abaixo' dele, e sentir que ele não me considerará alguém com quem possa conversar em seu próprio nível, de 'igual para igual'". Esta pessoa que está conversando com o SD então, na minha experiência terá uma de algumas reações: tentar menosprezar as Altas Habilidades através dos próprios estereótipos aprendidos durantes os anos, como taxá-lo de 'nerd', 'cdf', 'cabeção', etc. "Ih nem adianta conversar com você, não vou entender nada, porque eu não fico lendo o dia inteiro..." "Ih é nerd, nem deve sair de casa! Já namorou alguma vez na vida?" "Oh o puxa-saco, só tira nota alta..." "Sai fora, quero trocar idéia normal, e não sobre física quântica.". Esta é uma reação, usar o que lhes foi dito sobre AH/SD para tentar menosprezar, diminuir socialmente o SD. É o tipo mais fácil de se lidar, é só desfazer o estereótipo com ações e assuntos inesperados por eles, já que é o tipo mais infantil de menosprezo.


   O outro é fingir que não existe. Tentar demostrar a través de argumentos retirados de fontes não confiáveis, ou mesmo de profissionais da área de psiquiatria que tentam negar as AH com argumentos de que o Q.I. não é uma medida científica, e é especulativa, que a Inteligência Emocional não é um componente das AH, e sim o único fator que importa para se medir o desenvolvimento na psiquiatria. Ou que AH/SD não são fatores que afetam o cotidiano de ninguém, é só mais uma característica como ser destro ou canhoto, e que a medida destes são somente ferramentas egocêntricas e que existe o talento em vários indivíduos que não possuem AH/SD (o que na verdade é um argumento dentro de várias teorias de AH/SD, que existem os Gênios, os Super Dotados e os Talentosos). Existem várias outras formas de hostilidade para com os superdotados em sua identificação, mas o que achei mais interessante são os imitadores.

  Em relação à primeira conversa, demonstrei algumas formas de hostilizar os SD, porém, obviamente, existem pessoas muito bem esclarecidas, ou mais esclarecidas do que muitos a nosso respeito, e tem um interesse genuíno no nosso modo diferente de pensar, infelizmente, a maioria destas pessoas só pensa deste modo porque passou a conhecer alguém SD, ou tem alguém na família que tem AH (como é típico no caso de todas as outras necessidades especiais.) Uma pessoa que conviveu com alguém que era portador de surdez, tem uma compreensão e um respeito extremamente maior para com estas pessoas. Sei disto por experiência. Este é um caso muito pessoal e emotivo, mas resolvi contar para que fique mais fácil para quem nunca passou pela experiência de ter outro SD/AH ou alguém com outra necessidade especial na família, ou próximo. Minha avó começou a perder a audição aos trinta anos. Quando minha mãe nasceu, ela tinha trinta e cinco, então ela já estava em um estágio bem avançado. Minha mãe cresceu com minha vó assim.... No caso dela, meu avô - de quem falarei bastante em outro post, o motivo: ele estudou até a 3ª série do primeiro grau, creio, não tenho certeza, mas foi por aí, e ele se tornou autodidata, aprendeu a ler, escrever, tocar piano, entre várias outras coisas, e no post que farei sobre ele, quero discutir as possibilidades genéticas das AH/SD - era muito inteirado a respeito das novas tecnologias e sempre teve a possibilidade de comprar o aparelho de audição mais novo no mercado. Então minha mãe não teve a necessidade de aprender a linguagem de sinais, mas aprendeu o respeito devido a quem tem uma necessidade especial. Infelizmente (muito mesmo) não tive a oportunidade de conhecer minha avó. Mas tenho vergonha de dizer que quando dou meus chiliques de nervos e brigo com minha mãe (a quem eu nunca poderei agradecer o suficiente por tudo que ela fez, passou, aguentou, sacrificou, por mim, nem pelo tanto que ela me ama apesar de todos meus defeitos, que são massivos) às vezes, eu estupidamente solto uma babaquice tipo: "Que foi? Tá surda?" E ela, com toda a calma, vira e me fala que ela já conviveu sim com surdez, e que isto não é nenhum insulto, que minha avó tinha suas dificuldades, mas elas nunca teve vergonha, ou deixou que isso a levasse de viver uma vida normal, e que respeito é uma condição essencial para se viver bem, e que mesmo sem conhecer minha avó, seria bom eu pensar antes de utilizar algo que a fazia sofrer, como um insulto inútil.(Passaram-se dois dias mas sempre vale a pena: FELIZ DIAS DA MÃES, MOM!!! SEM VOCÊ EU SABERIA POR ONDE COMEÇAR A VIVER...)

  
  Bem mudei de assunto neste último parágrafo. Mas o assunto era os imitadores. Existem muitos estereótipos a respeito dos SD, mas também existem muitos mitos, um certo culto ao gênio (que está acima dos Superdotados, mas quem tem uma admiração por este espectro das necessidades especiais, não vê a diferença, é uma espécie de idolatria por quem tem Q.I. alto, é talentoso, tem múltiplas inteligências - segundo a teoria de Gardner, a ser discutido -, tem AH, é Gênio, etc...). Como eu já mencionei em alguns posts e muitos de vocês mencionaram nos comentários, parece que nós temos um radar interno que identifica outros SD. Não sei explicar, sério, se é o tipo de conversa, o tipo de interesse, a velocidade do raciocínio, a sutileza e as nuances das comunicações. Eu já havia dito que pessoalmente eu só havia conhecido cinco pessoas: um (meu melhor amigo dos 3 aos 8 anos,conheci ele na EDUC- escola especializada em crianças com AH, do Dr. Daniel Antipoff, filho da Dra. Helena Antipoff- obviamente todos que estudaram lá eram SD, mas meu gênio bateu com o do Xande, sei lá como que o gênio de alguém de 3 anos bate como do outro, mas assim foi, e outra diferença entre nós dois e os outros, era a liberdade que o DR. Daniel e a Dra. Otília (sua esposa) nos davam, a escola era uma fazenda praticamente, com um campus enorme, hortas, criações de coelhos e outros animais, nós dois fazíamos coleções de cigarras - minha mãe até hoje fala, que ela me levava para escola toda 'bonitinha' e tals, e eu voltava toda coberta de terra rsrrs - e que além da liberdade de rodar o campus durante o horário das aulas - o Dr. Daniel tinha uma forte convicção que nessa idade (entrei lá com 2 para 3 anos) é a criança que deve escolher seu caminho, seu habitat, sua tarefa - ele e a Dra. Otília nos levavam para a sala deles todos os dias, alguns dias juntos, a maioria separados, para desenhar histórias, conversar sobre preferências, basicamente 'nos estudar', e não lembro de praticamente ninguém estar na sala deles tanto quanto nós (cara, os dois brigaram FEIO com minha mãe quando ela quis me tirar da EDUC, O Dr. Daniel falou que ela estava cometendo o maior erro da vida dela, ela me tirou de lá com 6 anos, e não deixo de concordar com ele, imagino que poderia ter um desenvolvimento muito diferente se tivesse continuado lá....). Depois aos 14 anos conheci dois outros amigos SD, um mais intelectual mesmo, voltado para poesia, música e filosofia, e outro um ano mais novo que eu, que estava na fase ápice da rebeldia, falou que não podia, ele estava fazendo.Eu tinha um pouco das duas personalidades. Acho que isto é outra coisa de encontrar pessoalmente e fazer amizade com outro SD, há uma relação simbiótica, você absorve um pouco da personalidade deles e vice-versa. O próximo foi quando eu tinha 17 anos, no início não conversamos muito, porque ele era amigo do meu primo e os assuntos deles eram nada a ver comigo. Mas quando passamos a nos ver mais vezes e conversamos sozinhos, aí clicou, e ele é um dos meus melhores amigos desde então, conversamos muito, trocamos muitas experiências, estamos mais ou menos no mesmo nível, e ele, de todos que mencionei até agora, é o único que continua na minha vida. A próxima foi a primeira menina SD que conheci, aos 23 anos, conversamos esporadicamente, mas ela não se considera SD, e procura fugir desta identidade. A última e mais recente é outra menina, conheci ela ano passado, ela curte música, e infelizmente nos conectamos através dos problemas que temos. Das dificuldades de ser como somos, de não sermos compreendidas, pelo lado bom ela curte música e é uma vocalista excepcional.


  Os imitadores são aqueles que na primeira conversa citada lá em cima, quando você se identifica como SD, primeiro ele fica curioso, vai lhe perguntando as características. Você fica surpresa por alguém se interessar por algo que não é muito popular como assunto, mas beleza, responde as dúvidas, e ele quer se aprofundar no assunto, mas assim que ele obter informações suficientes, as coincidências começam. Nossa eu também tinha isso quando era pequeno, também pensava assim sobre isso e aquilo, nossa eu também tenho tantos interesses que fico perdido. Ou seja, depois de obter informações suficientes para 'montar um perfil', ele começa a jogar verde na primeira conversa. Depois vai e pesquisa tudo o que conseguir sobre AH/SD, e na segunda conversa, sem jamais falar claramente "Eu também sou superdotado" ele vai jogando todas as peças na mesa para que você monte o quebra-cabeça e diga por ele. São inofensivos, mas como eu disse, são pessoas buscando validação, e esta só pode vir de um SD. Porém como eles realmente não são, eles não mencionam nem demonstram os problemas extremamentes sérios que possuímos.
           
To be Continued....

Um comentário:

  1. Flávia! Fico contente por você está viva, haha. Faz um tempo, mas resolvi dar uma reviravolta na minha vida. Passava por um mol de conflitos existenciais como muitos desses que você já abordou pelos posts do blog nesses anos todos. A verdade é que desencanei, kkkkk. Eu vivia uma vida que não era propriamente a minha, mas apenas a que outras pessoas diziam ser a melhor para mim. Uma coisa que sempre contribuiu para minha infelicidade foi o de não ter uma personalidade muito firme (leia-se: "f*da-se, faço o que eu quero!"). Daí, como sempre tive facilidade em passar em provas, enveredei por caminhos nada a ver para mim. Sempre tive um medo, mas um medo alegre de querer mudar um dia, de ser mais eu. Acontece que por toda minha vida me escondi. Como falei, resolvi dar um basta nisso e recomeçar fazendo o que gosto. É um pouco difícil, bate um medo, aparecem comentários do tipo "cadê, fulano é tão inteligente, por que fez isso ou aquilo?"... Sim, quando você tenta levar a sua vida a sério, aparece muita coisa para te desmotivar, mas vale a pena!!! E sabe qual a coisa que mais me ajudou? (continuo a falar se você fizer o outro post haha - e ainda proponho um bônus de começarmos um projeto, que tal?)

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