sábado, 6 de março de 2010

Vergonha...

Antes de terminar o post abaixo eu queria voltar ao assunto de se identificar como pessoa com altas habilidades. Entrei em contato com a Dra. Susana Graciela Pérez Barrera Pérez, Presidente da ConBraSD (Conselho Brasileiro para Superdotação): http://www.blogger.com/www.conbrasd.com.br, sobre a divulgação deste Blog, e fui surpreendida positivamente com sua resposta. Ela é a autora da 1a tese de doutorado a respeito de Adultos com Altas Habilidades! E espero que ela me permita a liberdade de divulgar o endereço eletrônico de sua tese (se não, ela pode entrar na fila junto com a moça do Gifted Universe para me processar hehehe...). A tese é de 2008, feita na PUC-RS pela Dra. Susana Graciela Pérez Barrera Pérez, o título é 'Ser ou Não Ser, Eis a Questão: o processo de construção da identidade ma pessoa com altas habilidades/superdotação adulta' e está disponível em:

http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1664

Começei a lê-la agora, e recomendo a todos que tenham interesse pelo tema que façam o mesmo. Estou no início, mas dei uma pausa para escrever este post, porque ela menciona o fator 'vergonha' que aflige a maioria dos adultos (e acho que mesmo crianças) para se identificarem como pessoas superdotadas.

Falar sobre sua superdotação com uma pessoa 'normal' é bem complicado. Você nunca sabe qual será a reação da pessoa. Não falo da reação imediata, porque dificilmente alguém sairá gritando e correndo quando você falar que é superdotada, ou mesmo te desprezará instantaneamente e te chamar de egocêntrica na sua cara, e muito menos te abraçará e declarará que 'chegou quem o mundo esperava!'. A reação posterior que é preocupante.

A pessoa pode se sentir (erroneamente, vale dizer) inferiorizada, e ela própria ficará com vergonha de conversar com você por achar que não conseguirá acompanhar seu nível intelectual, ou alguma besteira do tipo. Ela pode te achar extremamente prepotente e te evitar pois acha que você é egocêntrica demais. Ela pode não saber lidar com essa informação, ficar sem saber o que pensar, e também te evitar por não saber mais o que falar com você. Ela pode te achar arrogante, sentir inveja, ou sei lá, algo do tipo e começar a te atacar, até mesmo pelas costas. Ou ela pode ficar fascinada, até demais, e esse é o problema, e começar a perguntar sua opnião sobre tudo e todos, como se você fosse uma biblioteca ambulante e que sua palavra fosse lei, e ter um sentimento meio que de veneração frente a você (isso é um saco, é até pior que ser desprezada acho...). Ou (o que, infelizmente, quase nunca acontece) ela pode ter a reação mais normal do mundo, tipo 'ah, é mesmo, bacana hein...' como se você tivesse acabado de falar algo como 'ó, acho que vai chover, viu...' e continuar sua vida como se nada tivesse acontecido, aí ou ela realmente segue como se nada tivesse acontecido, ou ela começa a te ver um pouco diferente, e te compreender um pouco melhor, mas é tudo, ela não age como se aquela informação mudaria seu modo de pensar sobre você como parte da vida dela, esta é melhor reação na minha opnião.

Uma coisa que a Dra. Susana fala em sua tese (2008), é que a vergonha aparece porque vivemos em uma sociedade que prega a normalidade, ser normal, bom! Ser diferente, ruim! E querendo ou não, quando você diz a alguém que é superdotada, você está dizendo que não é como todo mundo (o que em si eu já acho ridículo, porque ninguém é igual a niguém, superdotado ou não, mas...). Você é diferente, e se identificando corre o risco de ser tratada de modo diferente, para melhor ou pior, e daí a vergonha.

Olha, eu acho que quem é superdotado é diferente sim. Como eu já disse antes neste Blog, isto não quer dizer que somos melhores, superiores, e nem inferiores a ninguém. Somos diferentes e ponto. Pensamos diferente, agimos e reagimos diferente, temos concepções do mundo divergentes, concepções de moral (e isto falo só por mim, ok?) que não seguem a vigente, entre outros fatores.

Em relação a me identificar aos outros como superdotada, eu não me escondo mais. Dos 7 aos 14 anos de idade eu me escondia, não falava pra ninguém mesmo. A partir dos 14 foi uma fase meio rebelde (putz, engraçado falar isso...) e decidi que já que eu não ia falar pra ninguém mesmo, para que seguir a cartilha de 'boa menina' na escola? Eu acho que estava me esforçando ao máximo para provar que eu era 'normal', me esforcei até demais. Eu raramente ia às aulas, quando ia, eu ia para zonear a sala, passei a ser a 'má influência' (ai, sério que estou escrevendo isso? Eu mudei, tá?), não fazia as tarefas da escola, só abria o caderno para desenhar, convencia meus amigos que 'matar aula' era uma ótima idéia (e incrivelmente não tinha um para ser 'a voz da razão', vai saber...), até guitarra com amplificador eu já levei para a sala, desnecessário dizer que foi um pouco interruptivo.

Com 16 eu mudei de colégio e decidi que no meu último ano (eu me formei com 17) eu estudaria de verdade, vestibular e tudo mais. No entanto, meu problema com frequência sempre atrapalhava estas decisões, não estava nem no meio do ano e eu já corria risco de ser reprovada por faltas. Sério, ficar grudada na cadeira ouvindo pessoas lerem em voz alta nunca foi meu forte. A solução que eu achei foi procurar algum orgão governamental competente (na minha mente palavras incompatíveis, mas ok...) e verificar a legislação sobre crianças/adolescentes superdotados, para ver se havia a possibilidade de eu fazer alguma prova ou algo do tipo e ter minha 'estadia' no ensino médio encerrada por aí mesmo. Ver se assim eu já podia fazer o vestibular, eu tinha pressa e impaciência com o 2o grau.

O 1o passo foi procurar o Dr. Daniel Antipoff e verificar se eu REALMENTE era superdotada, e se aquilo tudo não passava de uma fase mais precoce na minha infância. Testes feitos, superdotação recomprovada. Aí começou um jogo de empurra, eu ligava para alguém do MEC, eles me empurravam para fulana em Brasília, que por sua vez me empurrava para outra fulana em Brasília (o interurbano daqui de casa naquele mês fez minha mãe chorar um pouco), e assim adiante. Isto tudo foi no período de férias do meio do ano. Finalmente meu pai (este sim, voz da razão) falou que, 'até que eu conseguisse passar por todos os trâmites necessários para que eu pulasse o final do 3o ano do ensino médio, eu já podia ter me formado duas vezes. Só faltam 6 meses, para de enrolar e termina logo isso!'. Muitas vezes a voz da razão é chata.

Neste período, como eu estava lidando com isto descrito acima, eu tive que falar para algumas pessoas que eu era superdotada, por que sempre vinha um me perguntando porque eu achava que não precisava terminar, como todo mundo, o ensino médio? Falei, isto provocou algumas das diversas reações que citei acima. Hoje em dia, como eu disse, eu não me escondo mais. Mas também não saio anunciando para Deus e todo mundo. Sou seletiva. Eu analiso primeiro a pessoa, tento prever por sua personalidade qual será sua reação, se eu achar necessário e se prever que a reação não será tão ruim, conto. Se não, ela nunca precisa ficar sabendo. Igual este Blog. Falei com algumas pessoas que conheço. Espero que algumas que não conheço estejam lendo. Mas pelo menos metade das pessoas em minha vida não sabem, e nem saberão se depender de mim, não vejo necessidade. Mas isto não é por vergonha, é auto-preservação mesmo.

Um comentário:

  1. Olá Flavia!

    Meu nome é Bruno e tenho 17 anos.
    Sobre sua tragetória como "adolescente superdotada", gostaria de saber de forma detalhada e objetiva (como a que posta aqui no blog) sobre o desempenho de um superdotado em uma relação amorosa e se a mesma pode gerar algum conflito com as habilidades do indivíduo.

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