quinta-feira, 4 de março de 2010

Massificação...

"A comida feita a mão é um ato de desafio e vai na contramão de tudo em nossa modernidade. Encontre-a, coma-a: ela vai desaparecer. Esteve presente durante milênios. Agora é evanescente, como uma estação." - Calor, Bill Buford -

Então, como podem ver, eu ainda estou empolgada com minha releitura do livro de Buford, mas chegando no final ele se refere a uma coisa na qual penso constantemente. Estamos vivendo em um mundo completamente massificado. Tudo tem o mesmo gosto, o mesmo roteiro, a mesma aparência.

Me lembro do gosto de coisas que comia quando eu era pequena, nem há tanto tempo assim, há uns quinze anos. Me lembro do gosto, por exemplo, do Toddynho, ele era completamente diferente dos outros achocolatados, era mais líquido, menos doce, mais gostoso. Hoje, ele tem o gosto de todos os outros, te desafio a colocar todos esses achocolatados em copos, sem saber qual é qual e diferenciá-los. O Polenguinho (que todo mundo odiava, porque tinha cheiro de chulé hehehe), tinha um sabor forte, característico, hoje não tem gosto de nada, é um queijo super normal mais mole. E mais outras inúmeras coisas que mudaram seus padrões para agradar o 'gosto popular', ou seja, foram massificados, perderam o gosto para que fossem mais vendidos. E, ok, capitalismo é isso mesmo, não estou aqui para criticar ideologias, etc. Mas o que tornava esses produtos únicos foi o que foi perdido neste processo.

É a mesma coisa com as carnes, hoje você não compra um frango que passou sua vida em uma fazenda, solto, comendo minhocas (e seja lá mais que frangos comam), você compra um animal que foi entupido de hormônios para que crescesse muito mais rápido, que é criado com luzes artificiais, comendo ração, e em um espaço confinado e minúsculo no qual ele dificilmente se locomove. E o resultado está aí, os hormônios não somem magicamente quando o frango é morto, ele vai parar na sua mesa, e eles tem efeitos colaterais à longo prazo, sobre os quais ainda não se têm pesquisas completas. As vacas, a carne de supermercado com certeza não fica pastando por aí livre, leve e solta, ela é alimentada com ração, o que altera o sabor da carne, o torna menos intenso. O modo como são mortas é tétrico e não merece uma descrição aqui. Isso poderia ser o suficiente para que houvesse uma manada (trocadilho ridículo, sorry) de vegetarianos por aí. Graças a Deus este não é o caso (tenho muitas ressalvas sobre vegetarianos, não são de confiança hehehe...). O meu ponto aqui é que trocamos o sabor, a qualidade, pela facilidade.

Buford fala no livro que, em relação aos alimentos, a mudança ocorreu quando não era mais o produtor que controlava sua produção, de acordo com a melhor época para plantar, onde e como criar os animais, este controle passou aos clientes. E neste ponto concordo inteiramente com Buford e com inúmeros Chefs (como Bourdain, Marco Pierre White e Ramsey), o cliente NÃO tem sempre razão, e na maioria das vezes o cliente é um idiota que não sabe como as coisas devem ser feitas. Em vez de massas feitas a mão, hortaliças sem agrotóxicos, preparações que levam horas até atingir o ponto perfeito, hoje temos fast-foods, temos pressa, comemos rápido demais, acho que meu pai não leva nem cinco minutos para almoçar, não sentimos o gosto de nada, e para quê? Tudo têm o mesmo gosto. Para comer uma massa feita a mão, um Coq au Vin (feito PROPRIAMENTE, o que demora em seu total dois dias), para comprar vegetais orgânicos, pagamos uma fortuna, porque o que já foi o modo mais simples, hoje é o modo mais raro, e mais demorado, é tempo é dinheiro.

Quem já pediu para a mãe ou avó fazer AQUELE biscoito, ou aquele bolo, ou aquela comida. No dia que pedi à minha mãe um bolo que sempre gostei e a vi fazendo um bolo destes de caixa, fiquei completamente desiludida. Ela antes tinha prazer em fazer a massa do bolo e tudo mais, adorava fazer doces (e eu adorava comê-los). Hoje ela está cansada demais para fazer estas coisas, é trabalho demais, tempo de menos, é o trânsito, a pressa. Ninguém mais tira tempo para fazer as coisas pequenas, tudo já vem pronto, entregue de bandeja. E isto é um porre. Eu sei que isto que estou falando é completamente clichê, mas não que dizer que eu não possa falar sobre isso.

Amo o filme Clube da Luta (um filme completamente mal-compreendido). O filme é uma fábula sobre o consumismo, extremamente inteligente. Uma fala do personagem principal, Tyler Durden, vai mais ou menos assim: "As coisas que você possui, acabam te possuindo".

Mas estou fugindo do tema. A massificação não atinge somente o mundo dos alimentos. Está nos filmes, nos livros (leia Anjos e Demônios e O Código daVinci, troque o nome de alguns personagens, das cidades, e você tem o mesmo livro, só um exemplo, e aliás, não leia), e infelizmente, na educação.

Minha constante reclamação em minha universidade, é a falta de paixão, de criatividade dos professores, tenho professores ótimos, mas tenho também muitos para quem a idéia de dar aula se resume a regurgitar livros. Oi, eu sei ler, eu não preciso que alguém me faça perder duas horas da minha vida para uma leitura em voz alta, posso fazer isto em casa, super confortável. Provas que implicam memorização de coisas que no semestre que vem eu não vou ter mais a mínima lembrança, porque eu não aprendi, eu decorei. E eles não fazem nada para mudar isto, eles cumprem o que o figurino manda. Fazer chamada (o que eu acho completamente ridículo)? OK. Provas no meio e no fim do semestre? OK. Trabalhos interdisciplinares, nos quais os professores não fazem a mínima questão de explicar o caráter interdisciplinar da tarefa? OK. Bibliografia aprovada? OK. Raciocinar e prender a atenção do aluno? Fora de questão, deve dar muito trabalho.

Como eu disse, tenho alguns ótimos professores, este semestre fui meio que forçada a fazer uma disciplina horrível (que envolve economia, claro), e por causa disso não pude fazer uma das disciplinas optativas cujo tema me interessa muito, e o professor dela é o melhor que eu já tive até hoje. Ele não faz chamada, e mesmo assim a sala dele fica cheia (o que dificilmente aconteceria com outros professores), ele não regurgita o que está nos textos que ele passa. Ele pega as idéias principais e as traz para o mundo real, dá exemplos, mistura psicologia, antropologia, e outras ciências sociais para que você realmente entenda sobre o que ele está falando, suas aulas são sucintas, ele vai direto ao ponto, e dá para perceber que ele está gostando de estar lá, o que faz toda diferença do mundo. A pior coisa é você ter aula com um professor que parece estar mais entediado que você. Infelizmente ele é a exceção.

Hoje as universidades não são mais um refúgio intelectual. Os professores não têm mais aquele status de antigamente, não são mais a linha de frente de pensamentos e atitudes revolucionárias, eles não querem mais mudar o mundo, não querem nem mesmo afetar a vida de seus alunos de um modo positivo. Querem aumento de salários (com o que concordo plenamente), e segurança no emprego. E esta tal segurança requer que eles sigam as diretrizes das universidades, que hoje são indústrias de diplomas, de novo, é a quantidade e não a qualidade. Hoje, se você tropeçar você cai dentro de uma faculdade, a grande maioria com critério zero para admissão, com qualidade de ensino péssima, com mensalidades altíssimas, com um nível intelectual geral de um zoológico. Afinal, pensar requer tempo, e tempo é dinheiro.

Um comentário:

  1. Tenho um professor de química tão empolgado que quase chega a gritar nas aulas, e as aulas são tão profundas que vou embora quase chorando hehehe
    ID: Chê

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